sexta-feira, 2 de abril de 2010

FELICIDADE, UTOPIA DO SISTEMA


"O que há de errado com a felicidade?" É a pergunta direta do sociólogo polonês, profeta da pós-modernidade, Zygmunt Bauman, em seu livro A Arte da Vida (Jorge Zahar Editor, 184 páginas). Suas tentativas de respostas são complexas e nada definitivas. Bauman adentra na teoria do caos, lembra de Sêneca e de Nietzche, acessa a internet, navega no MySpace, esmiuça princípios econômicos e analisa profundamente o fracasso final da história de Fukuyama. Cita Robert Kennedy e seu ataque frontal a felicidade valorizada a partir do Produto Nacional Bruto - mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena, ataca o escritor. Descobre, seguindo o cortejo da socióloga Hanna Swida-Ziembra, que as pessoas de gerações mais antigas se colocavam tanto no presente, quanto no futuro. Aos jovens contemporâneos só o presente existe. O sociólogo polonês de cérebro planetário leva nosso olhar para qualquer canto ao lembrar, junto com o professor Michael Rustin que "sociedades, como as nossas, estão se tornando mais ricas, mas não está claro se estãos se tornando mais felizes". No auge do seu agora arranhado império, o norte-americano, dizia não haver relação alguma entre mais riqueza, considerada o principal veículo de uma vida feliz, e maior felicidade. Pelo contrário. A felicidade por eles declarada era menor. A felicidade encontrava no medo (elevadas taxas de criminalidade, suborno, corrupção, tráfico de drogas) uma barreira compacta e intransponível. "Um estado de felicidade muda constantemente", escreve Bauman, "e sua busca incessante ocupa uma parte essencial de nossa vida". Para o sociólogo, a felicidade é como uma montanha-russa, de altos e baixos, e é feita de pequenos e intensos momentos. Lá em cima, lá no pé. Ele sugere que é preciso dobrar o valor dos pequenos e simples gestos para escalar o topo. Demorar-se numa mesa de jantar, pratos criados em casa, ao contrário de se enfiar na mesa apertada e barulhenta do restaurante mais próximo e contentar-se com uma comida feita em série e com gosto de plásticos. Bauman não faz sociologia de auto-ajuda. Ele só acena com algo. Provoca. Atiça.
A infelicidade - Freud observou, há muito tempo, que o "estado de felicidade" é contrário à natureza humana e, portanto impossível de ser alcançado. A felicidade pode ser apenas uma experiência momentânea: quando o estado de infelicidade que atormenta você por um longo tempo de repente acaba... Se não fosse pela infelicidade, a ideia de felicidade dificilmente ocorreria.
O nirvana - Os budistas parecem ter adivinhado esta verdade - e como a única felicidade digna a ser buscada eles reconhecem o nirvana: um estado de perfeita serenidade atingido pela erradicação de todos os desejos. É a não satisfação dos desejos que nos deixa infelizes - ainda que o desejo seja satisfeito, ele não trará a felicidade junto. Desejar e lutar para satisfazer o desejo é uma receita para infelicidade eterna! A única possibilidade de ser feliz reside em se livrar de todos os desejos. Só quando desejar nada, e por isso deixar de perseguir uma felicidade maior, você estará livre do veneno da infelicidade. Alguns filósofos antigos como Sêneca, Epíteto e outros da escola tinham a mesma opinião.
O desejo - A modernidade tomou o caminho inverso de manter o desejo não somente vivo, mas de expandí-lo e torná-lo mais intenso, assim como de disseminá-lo e torná-lo comum a todos. Um dos documentos fundadores da Era Moderna, a Declaração Americana da Independência, proclamou a "perseguição a felicidade" como um direito humano universal e inalienável. O documento proclamou isso verossímil, possível de ser atingido com a ajuda dos conhecimentos fornecidos pela ciência e com a capacidade oferecida pela tecnologia - e com o incansável esforço dos pesquisadores. O desejo e o crescente desejo de felicidade e de uma felicidade cada vez maior tornou-se o principal motor do desenvolvimento moderno e do crescimento econômico. Portanto, o consumismo - algo muito além do consumo necessário à sobrevivência - é estimulado como caminho à felicidade - fugaz e novamente fugaz, sempre fugaz. Como em todo sistema há exceções, entre a grande massa de manobra, espera-se a existência de alguns seres que sintam felicidade mais que infelicidade, ainda que pela total ignorância de sua própria existência desconectada da função essencial da sociologia.

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