O jornalista Sérgio Cabral é uma enciclopédia da música popular brasileira, aos 72 anos, define a a carioca Fátima de Sá em recente entrevista que produziu à revista Personnalité. Ele escreveu para os principais jornais e revistas do país, produziu discos e shows, conviveu com os maiores cantores e compositores do Rio de Janeiro e seu mais recente livro trata da biobrafia de Ataulfo Alves.
Alguns trechos da longa entrevista são brilhantes e levam a maior conhecimento da MPB, a partir de sua paixão pelo samba. Sérgio Cabral, pai do governador Sérgio Cabral Filho, cresceu no subúrbio carioca de Cavalcante, perto da Madureira, área da Portela. Cedo frequentava a quadra da escola. Tinha 15 a 16 anos em 1952. Zé Kéti e Candeia eram compositores que chamavam sua atenção. "Até meados de 1960, o samba-enredo era guardado a sete chaves, para ser conhecido só na hora do desfile. Havia o medo do plágio, de alguém roubar a ideia. Então, o que cantava antes, era samba de quadra, samba de terreiro, como esse, que depois podia virar sucesso. Mas aí o samba-enredo passou a ser gravado, a render dinheiro, e acabou com o samba de terreiro".
JORNALISTA
Depois de formado em Jornalismo, obteve amizade e respeito de Zé Kéti, Cartola, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Padeirinho, vários deles passavam grande tempo em sua casa. Cabral conheceu personalidades que dariam extraordinários romances e cita uma dama.
DONA NEUMA E OS PALAVRÕES
"Dona Neuma da Mangueira. Tinha uns cem afilhados. Na Mangueira, a casa dela era a única que tinha telefone. Quando as mulheres grávidas sentiam dores, buscavam telefonar para a ambulância, que não chegava e a criança nascia ali. E Dona Neuma se tornava madrinha. Além disso, ela alfabetizava aquelas pessoas. Criou um método que considero precursor do revolucionário Paulo Freire, que usava palavras familiares à criança ou ao adulto, para que se familiarizassem com as letras e aprendessem mais rapidamente. Neuma também, só que de um jeito diferente. Só palavrões. Imagina. As crianças ficavam todas loucas para ler as palavras.
QUARTETO IMORTAL
Cartola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho e Ismael Silva formavam o quarteto que sempre acompanhava as incursões boemias de Sérgio Cabral. "Ismael era o mais vaidoso. Quando se fazia uma pergunta a ele sobre música popular brasileira, o samba da época dele, 1930, ele estava sempre no centro, era o protagonista. Tanto que eu tive certeza que Noel Rosa era realmente um gênio, quando Ismael falou para mim: O Noel era muito bom. Aí eu pensei, se ele reconhece... O Zé Kéti era fogo. Atacava as mulheres, não perdoava. O Nelson Cavaquinho tinha aquele jeito meio maluco, meio ingênuo. Uma vez, me lembro de uma mocinha sentada ao lado dele, fã, olhando, cantando junto. E ele lá. Uma hora não aguentou. Virou para ela e: 'Minha filha, você tem umas pernas...' E passou a mão na perna dela. Já Cartola era um homem elegante na maneira de viver, além de se vestir bem. Quando resolveu construir sua casa no morro da Mangueira, eu sabia que ia passar dificuldades. E nessa época, eu tinha salário bom, era editor em O Pasquim.
EDITORES DE O PASQUIM EM CANA
O jornal estava indo bem. Prometi dar o banheiro para ele. Só que acabamos em cana (parte da equipe do jornal foi presa em 1970) e o jornal entrou numa decadência econômica daquelas. Em 1971, não ganhei um tostão. Vivia pegando dinheiro num banco, para pagar empréstimo no outro, cheguei a ser despejado, uma coisa horrorosa. Cartola foi somente uma vez no Pasquim pegar o dinheiro, eu não tinha, nunca mais tocou no assunto, que elegância...".
OBRA DE SÉRGIO CABRAL
As Escolals de Samba (1974)
Pixinguinha - Vida e Obra (1977)
ABC do Sérgio Cabral (1979)
Tom Jobim (1987)
No Tempo do Almirante (1990)
No Tempo de Ary Barroso (1993)
Elizeth Cardoso - Uma Vida (1994)
As Escolas de Samba do Rio de Janeiro (1996)
A Música Popular Brasileira na Era do Rádio (1996)
Antonio Carlos Jobim - Uma Biografia (1997)
Livro do Centenário do Clube Regatas Vasco da Gama (1998)
Mangueira: a Nação Verde e Rosa (1998)
Nara Leão - Uma Biografia (2001)
Grande Otelo - Uma Biografia (2007)
Ataulfo Alves - Vida e Obra (2009)
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