Tudo vem sendo desmontado sem perspectiva nenhuma de permanência. Diferentemente da sociedade anterior - a modernidade sólida - que também estava sempre a desconstruir a realidade herdada, a de agora não o faz com uma perspectiva de longa duração e a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da liquidez para demarcar o estado atual que, como os líquidos, se caracteriza por uma incapacidade de manter a forma, ensina o sociólogo polonês Zygmund Bauman.
Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções, mudam antes que tenham tempo de solificar-se em costumes. - A vida moderna é desenraizadora, derrete os sólidos e profana os sagrados, como os jovens Marx e Engels previam. Mas, enquanto no passado isso se fazia para ser novamente enraizado, agora, as coisas todas, empregos, relacionamentos, know-hows, tendem a permanecerr em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis -. Inexiste fidelidade. É isso. É líquido. Manter um projeto de vida pode ser seu próprio suicídio. Cuidado!
Sartre aconselhou seus discípulos a ter um projeto de vida. Decidir o que queriam ser e, a partir daí, implementar esse programa passo a passo e de maneira consistente. Ora, ter uma identidade fixa como aconselhava é, hoje, neste mundo fluido, uma decisão de certo moda suicida. Exemplo? O tempo médio de emprego no Vale do Silício (Califórnia - EUA), onde concentra-se grande parte de empresas de alta tecnologia e provedores de internet é de oito meses. -Quem pode pensar num projeto de vida nestas circunstâncias? -, indaga o sociólogo polonês, que iniciou carreira em Varsóvia, mas foi varrido de seu país durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1971, tornou-se professor de Sociologia na faculdade de Leads, na Grã Bretanha.
Para melhor entender, na época da modernidade sólida, quem entrasse como aprendiz nas fábricas da Renault ou da Ford iria ter uma carreira e se aposentar após 40 ou 45 anos. Atualmente, quem trabalha para Bill Gates por um salário 100 vezes maior não tem certeza do que pode acontecer em seis meses. No livro "Liquid Love" (Amor Líquido), Bauman explora o impacto dessa situação nas relações humanas. De um lado, o indivíduo precisa dos outros como o ar que respira, mas, ao mesmo tempo, teme desenvolver relacionamentos mais profundos que o imobilizam num mundo em permanente movimento. Então quem tem medo de ser feliz?
-Não acredito que haja um progresso linear no que diz respeito à felicidade humana. Podemos dizer que como um pêndulo, nos movemos de tempos mais felizes, para tempos menos felizes. Hoje, temos medo e somo infelizes do mesmo modo como tínhamos medo e éramos infelizes há 100 anos, mas por razões diferentes. A modernidade sólida tinha um espectro medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas. Virtualmente, todos queriam assumir que a democracia existe, mas tremiam sabendo que a ditadura estava à vista. No limite. O totalitarismo poderia sempre chegar e sacrificar a liberdade em nome da segurança e da estabilidade. Na prática absoluta, a condição de emprego poderia destruir a criatividade e suas habilidades, mas mesmo assim, a vida podia ser planejada, afinal tanto os trabalhadores como os donos das fábricas iriam se econtra amanhã, depois de amanhã... pois os dois lados dependiam um do outro -, observa o estudioso polonês, prenunciando que neste início de século seríamos todos descartáveis.
A questão é que atualmente essas condições tornaram-se impossíveis. Dificilmente, um outro tipo do stalinismo vivido pelo sociólogo voltará, embora existam soldados esmagando faces no Oriente. Temos outros pesadelos. O chão onde piso, disse ele aos 80 anos, de repente pode se abrir como num terremoto, sem que haja no que me segurar. - A maioria não pode planejar seu futuro por muito tempo adiante. Os acadêmicos são ainda um dos poucos que têm essa possibilidade. Na maioria dos empregos, podemos ser demitidos -.
Dessa forma, Bauman assinala sua descrença no sonho de sociedade perfeita. Ele interpreta a vida como um lençol muito curto: quando se cobre o nariz, os pés ficam frios e, quando se cobrem os pés, o nariz fica gelado.
Mas, ele insiste: a sociedade que obsessivamente se vê como não sendo suficientemente boa é a única definição que se pode dar de uma boa sociedade. Bauman aposentou-se, em 1990, com 25 livros publicados, e cinco obras foram dedicadas ao estudo de seu pensamento nos últimos anos. Descrito como o profeta da pós-modernidade, aborda temas como holocausto, globalização, sociedade de consumo, amor, comunidade, individualidade, enfatizando a dimensão ética e humanista que deveria nortear a condição humana. A tão proclamada justiça social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário