sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

ESCRITORES NASCEM


Um dos intelectuais mais aguerridos do Rio Grande do Sul, José Hildebrando Dacanal, há 15 anos, declarou que a literatura havia morrido. Com a proliferação das oficinas coloca fogo no circo portoalegrense com seu livro Oficinas Literárias: Fraude ou Negócio Sério?, a polêmica do papel das oficinas literárias na formação de um escritor. Dacanal defende que, como todo o artista, o escritor ou já nasce com a chama do talento ou será ludibriado e iludido por anos refinando um gênio que não possui. Por vir à tona numa época em que as oficinas se proliferam e já começam a ocupar papel relevante no debate crítico, o ensaio incendeia discussões sobre o tema.
No ensaio, Dacanal começa por identificar quatro tipos de cursos que poderiam ser chamados de oficinas. O primeiro deles seria um curso exigente e extensivo de português e literatura, dedicado a reforçar os conhecimentos do aluno em gramática, retórica, leitura dos clássicos, leitura do que melhor se produziu no Brasil e no exterior. Um curso de literatura de alto nível, portanto. O quarto seria uma simples aula de literatura orientada.
O segundo tipo seria das oficinas que ensinam macetes e truques para melhorar o texto, e o terceiro seriam cursos que se proporiam a formar artistas. É contra esses dois, o terceiro, mais especificamente, que Dacanal concentra seus argumentos. Para o intelectual gaúcho, o que forma o verdadeiro escritor é intransferível por meio de uma oficina. - O artista nasce artista. Não sou eu que digo isso, é a tradição de três mil anos do Ocidente -.
Ele tem seguidores. - As oficinas ajudam, é claro, mas não tenho nenhuma dúvida que elas jamais vão formar um escritor de verdade. Formar um escritor de verdade, que vai permanecer, eterno, escritor por pressuposto na condição de artista escreve porque sente necessidade, que tem de escrever porque aquilo é a sua vida, elas não formam. Elas respondem, de certa maneira à necessidade de escritores que querem escrever, o que é diferente -, opina o jornalista, tradutor e escritor Marcelo Backes, autor do romance maisquememória.
Quem semeia polêmica, colhe contrariedades. A maior parte dos autores conhecidos em todo o Estado e com alcance nacional, surgidos na última década, passou por uma oficina. Basta citar Cíntia Moscovich, Michel Laub, Daniel Galera, Daniel Pellizzari, Carol Bensimon, Monique Revillion... De diferentes gerações, todos são hoje publicados com ressonância crítica e falam da oficina como um período de maturação ou mesmo tomada de consciência de uma vocação que já traziam, a da palavra impressa.
O professor Luís Augusto Fischer, coordenador de oficinas, lembra que sua proliferação pode ser resultado de uma transição do modelo hegemônico de formação de escritores, até meados do século 20 escorado no exemplo europeu e hoje mais próximo do paradigma americano. - É uma mudança importante, esse fenômeno indica a transição de um modelo francês, mais antigo, aquele do escritor como um artista inspirado e solitário, iluminado, para a noção americana de escrita como trabalho, como exercício, como refinamento exaustivo da técnica. Em transição é evidente -.
O interessante é que tanto oficineiros como intelectuais pela própria natureza de busca incessante por conhecimento, concordam no ponto nevrálgico: a ideia de que o verdadeiro escritor não será "formado" por uma oficina, algo que os próprios ministrantes das oficinas repetem.



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