sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

BÊBADO DE LITERATURA E RELIGIÃO


Arte e Mistério: essas eram as chaves da transformação para o poeta mineiro Murilo Mendes. Chaves que, no seu caso, abriram as portas de uma lúcida embriaguez. Boa leitura!
Na microdefinição que o poeta mineiro Murilo Mendes (1901-1975) escreveu em 1970, confessava estar constantemente bêbado de literatura, arte e religião, suas maiores paixões, ao passo que era "imbêbado de política, economia, tecnologia - tinha declarada desconfiança quanto ao poder transformador do que não fosse arte e mistério. A lucidez da embriaguez poética em seu estado natural. Murilo Mendes exercitava amores e ódios, vivia as tensões do seu tempo, abominava as guerras, amava a música, temia as ditaduras, cultivava a amizade. Sentia com particular intensidade as contradições do mundo e as de cada indivíduo. Sua obra está mergulhada num humanismo cheio de perplexidade e esperança.
Ver bem e ouvir bem podem ser
um suplício maior que não ver e
não ouvir.
O paradoxo guia o pensamento poético de Murilo Mendes. A visão e a audição apuradas levam ao sofrimento. A sensibilidade é fonte de aprendizado, caminho necessário de descobertas, pois nada chega ao entendimento e nada faz muito sentido sem passar pelos cinco sentidos, mas saber o que acontece pode trazer consigo surpresas dolorosas. Esse é o preço do conhecimento. A dor de conhecer a realidade está inscrita na condição humana. E esse conhecimento se amplia quando aprendemos a ler. A leitura constitui uma forma radical de alimentar-se:
No tempo em que eu não era antropófago, isto é,
no tempo em que não devorava livros, - e os livros
não são homens, não contêm a substância,
o próprio sangue do homem? - no tempo em que
não era antropófago
Muito ligado ao concreto, ao palpável, o poeta está sempre pensando em proparoxítonas transcendentes: o cósmico, o apocalíptico, o escatológico, o insólito.
O mundo não deve ser tão velho assim,
porque os homens ainda não aprenderam a voar.
A comunhão cristã está atrás dessa antropofagia letral. "Tomai e comei, tomai e bebei os livros - eles são o saber suculento. Quem se alimenta de autores com essa convicção põe em prática a leitura educadora. O substancial do humano (o diabólico e o divino que residem no humano) está contido nos livros, para ser devorado e digerido por nossa fome infinita. De fato, Murilo considera os livros objetos à parte, não estivesse tão ligado ao cristianismo, religão que prestigia um livro, cheio de livros, a Bíblia.
É preciso considerar num livro.
por mais medíocre que seja, não
apenas um objeto, mas a própria
transpiração do espírito dum homem -
e estender-lhe também a caridade.








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