sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

VIDA BREVE, OBRA EXTENSA




Distanciando-se dos autores engajados que marcaram o boom latino-americano, como Gabriel Garcia Márquez, a prosa do chileno Roberto Bolaño, falecido em 2003, é marcada por uma ambivalência e um desencanto forte com a política. Seus livros retratam intelectuais, escritores, poetas e leitores que vivem em um mundo sem lugar para a cultura, ao mesmo tempo em que a cultura é tudo para esses personagens. Como escreveu a revista norte-americana n+1, o escritor em Bolaño é ao mesmo tempo um herói e um idiota. Isso fica bastante claro em Os Detetives Selvagens, o mais extenso livro de Bolaño lançado no país. A trama central (há centenas de enredos menores paralelos) gira em torno de poetas marginais da década de 70 que viajam ao deserto mexicano atrás de Cesarea Tinajero, uma fictícia poeta desaparecida. A literatura surge como força-motriz que impulsiona os personagens. O núcleo da obra é composto de dezenas de testemunhos, englobando mais de duas décadas, alternando de forma compulsiva os narradores. Essa sinfonia de vozes tão radicial é um dos grandes engenhos do autor: impede uma visão única sobre um fato, rompendo também com a possibilidade de uma posição política determinada e estanque. A poesia podia ser tudo para aquele grupo de poetas - mas e para o resto do mundo?


Uma premissa bastante similar - a busca por um autor desaparecido - é o início de 2666, o monstruoso livro póstumo do autor falecido aos 50 anos. Monstruoso em extensão (1.100 páginas), em amplitude (é um romance composto de cinco pequenos romances, vai da Alemanha na década de 40 até os dias de hoje no México) e tematicamente (o centro do livro são as centenas de mulheres assassinadas em Ciudad Juárez, que no livro recebe o nome de Santa Tereza. Lançado em 2004 no mundo hispânico, a obra foi finalizada em termos de enredo, mas não estilisticamente, em função da morte prematura de Bolaño. A experiência de leitura de 2666 é extrema. Apesar de sua dimensão, boa parte é fluida e rápida. Além disso, a quarta e maior parte focada nos crimes ocorridos na cidade fronteiriça, traz uma prosa quase jornalística, descrevendo com frieza brutal morte após morte. O leitor se sente como um detetive estudando os casos e procurando um senetido naquilo tudo. A estrutura de 2666 também parecem remontar os principais motifs de Bolaño: a primeira e a última parte têm a própria literatura como foco, e, no centro do romance, há essa série de mortes inexplicáveis, como se a violência estivesse englobada pela cultura. Roberto Bolaño é leitura imprescindível para quem gosta de imergir em uma obra literária construída pela genialidade do conhecimento da arquitetura linguistica e suas possíveis estruturas.

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