sábado, 15 de maio de 2010

POETA É AQUELE QUE CRIA NA VIDA, ALGUMA COISA QUE NA VIDA NÃO EXISTIA


Não vá por aí, que tem assaltante esperando!

O educador José Pacheco, escritor e ex-diretor da Escola da Ponte em Portugal, traz à luz reflexões de humildade que chegam como um soco na cara da prepotência de cada dia - ou da ingenuidade de quem supervaloriza seu ínfimo conhecimento primário, assim impotente para inserir-se num universo de verdade, acima das aparências e da autoria de obras ingênuas, fúteis, sem nenhuma semiótica, sempre no raso, sem profundidade. O escritor Pacheco conta que em suas entradas e bandeiras pelo Brasil, ao chegar em uma escola, encontrou uma retirante baiana, a Antônia que chegou à cidade só com os andrajos que lhe cobriam o magro corpo. Não foi o amor, mas a fome que lhe fez parir dez filhos, a juntar aos oito que seu homem já fizera em outra mulher. Vai fazer 50 anos, mas tem no rosto a marca de séculos de provações - mais de um século decorrido sobre a Lei Áurea, ainda existe uma cidadania que conhece, possui e tem poder e uma cidadania que nada possui, pouco conhece e nada pode. Há dez anos, o seu homem sofreu três derrames e caiu na cama para não mais se levantar. A Antônia cuida-o com o mesmo desvelo que dedica a um menino que uma jovem nordestina lhe confiou, antes de se perder nos atalhos da vida e da prostituição.

O meu menino é como o meu homem, não fala nem consegue andar dois passos, mas eu peço à senhora que o deixe vir para sua escola. Vai ver que ele inda assim consegue aprender...

Comovida a diretora da escola abraçou a Antônia e garantiu que o Edilson seria bem tratado e aprenderia tudo o que pudesse aprender. A Antônia abriu no rosto um sorriso terno e desdentado e lá se foi de bem com a vida.

Dizia o mestre Agostinho da Silva que não existem só poetas no verso. A ideia de que a pessoa tem de se dizer poeta, porque faz versos, não é verdade. Poeta é aquele que cria na vida alguma coisa que na vida não existia. Nas escolas do Brasil, há poesia nos gestos mais simples, na humanidade da miséria persistente. A verdadeira educadora por vocação nasceu poeta - esta sim -, movida pelo amor à vida, pelo outro e por acreditar nessa possibilidade, traça seu percurso de trabalho na emoção e no sentimento. Não baseia sua ação em um sistema falho, e sim no ato vivo, na emoção e na relação que abastece a cada dia. Para resgatar o outro que foi julgado, discriminado e rotulado...

Comenius, na Pampaedia, diz-nos: Nosso primeiro desejo é que todos os homens sejam educados plenamente em sua plena humanidade, não apenas um indivíduo, não alguns poucos, nem mesmo muitos, mas todos os homens, reunidos e individualmente, jovens e velhos, ricos e pobres, de nascimento elevado e humilde. Infelizmente, não parece que vamos nesse sentido. E como alguém já disse, quando falha a educação, sobe à cena a polícia e o juiz...

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