sábado, 30 de janeiro de 2010

Asfixiados pela Corrupção


O jornalista Laurentino Gomes responsável pelo best-seller "1808" - livro sobre as transformações provocadas pela chegada da família real portuguesa ao Brasil - defende que uma das causas do descaso com o dinheiro público no país está na distância histórica entre a população e as instituições públicas. Indica duas razões principais: as obras não necessariamente são feitas tendo em vista o interesse público. Às vezes, é uma forma de conseguir financiamento de campanha eleitoral. Obras são argumentos para criar despesas públicas e, depois, usar parte desse dinheiro em campanha. A segunda razão é a falta de continuidade administrativa, de uma visão estratégica de longo prazo. Cada governo que entra tem um planejamento diferente da administração anterior, e não há continuidade de soluções estratégicas do ponto de vista do interesse público. Essa visão de curto prazo é uma característica permanente na história do Brasil, especialmente a partir da República. As decisões e os programas de governo têm visão imediatista. O Brasil é uma sociedade com grandes dificuldades em formar consenso e soluções de longo prazo. Porque é uma sociedade que não está habituada a construir seu futuro de forma estruturada. O exercício da democracia é muito recente. Um período continuado de democracia só aparece nos últimos 30 anos. O restante é uma história de tutelagem, de um grupo tentar se impor perante os demais. As soluções nunca levavam em conta o conjunto, mas apenas grupos específicos que em determinado momento conquistaram o Estado. A conquista do Estado sempre tinha o interesse de grupo à frente do coletivo. Assim, o brasileiro não se sente dono do dinheiro público, pois há nítido estranhamento entre a sociedade e o Estado. É uma herança da colonização e da monarquia. Quando a corte portuguesa chegou ao Brasil, em 1808, ela constroi um Estado de cima para baixo, sem a participação da sociedade brasileira. Naquela época, dois terços da população eram escravos, mulatos, negros forros, todos completamente à margem de qualquer oportunidade.


Aconteceu o contrário na sociedade norte-americana, onde primeiro ocorreu a constituição de uma sociedade protestante, alfabetizada e com alto senso de participação comunitária. Depois de 1776, com a Independência essa sociedade criou seu próprio Estado republicano e democrático. No Brasil, ocorreu o oposto. A corte de Portugal chegou e encontrou um país dominado pela escravidão e analfabetismo. As instituições foram criadas à margem da sociedade, por isso as pessoas nelas não se reconhecem. Os brasileiros olham de fora. Os cidadãos não se preocupam em discutir o orçamento, nem sua execução. Há muita revolta e indignação, mas não há cobrança e participação.


Mas, o país está num caminho inegavelmente melhor. Pela primeira vez, temos austeridade monetária e fiscal, maior transparência na gestão das contas públicas e vigilância por parte do Ministério Público. As pessoas estão vigiando e cobrando. Mas não há milagre. O exercício da democracia é longo, comporta erros. Temos de errar ao escolher um governante e escolher outro. O exercício do voto é um aprendizado. Observar a forma precária como esse país foi construído até agora, nos permite fazer um futuro maior. É para isso que serve a história.


Uma ponte entra nada e lugar algum é uma imagem que provoca quem tenta explicá-la. Por trás das obras inacabas, abandonadas, está um nó que prejudica o atual sistema político brasileiro: a mistura entre interesses públicos e privados, algo que se arrasta desde o período colonial. Ocupante da cadeira número 25 da Academia Brasileira de Letras (eleito em 1991) o jurista Alberto Venâncio Filho se mostra descrente ao tratar do assunto. Chega a indicar a leitura de "Os Donos do Poder", do gaúcho Raymundo Faoro (1925 - 2003). No livro de 1958, o autor mostra como ocupantes de funções públicas se utilizam dos cargos em proveito próprio, sem respeitar as fronteiras entre público e privado. - Quem vai para a política hoje é quem quer se beneficiar, empregar parentes. Em São Paulo, por exemplo, quem é competente vai para a iniciativa privada. O nível político de São Paulo é o pior de todos. Quem não quer se corromper vai para a iniciativa privada que tem melhores oportunidades -, opina o imortal.


Já o ex-presidente do IBGE, o sociólogo Simon Schwartzman concorda com os argumentos de Alberto Venâncio Filho. Ressalta que os políticos buscam cargos públicos para defender um interesse pessoal e não para cumprir uma função pública. Esse político se considera dono do cargo e livre para se apropriar de recursos coletivos. Para ele, a política não é entendida como representação dos interesses do povo, mas é algo de que um grupo de pessoas toma conta. O Estado é apropriado por um grupo. É histórico. Quando os portugueses chegaram aqui era para usufruir das riquezas. O serviço público é um serviço de extração de recursos para benefício próprio.


Esse ciclo histórico não se rompe, na visão do sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bernardo Sorj, porque há uma separação, um afastamento entre Estado e sociedade. O brasileiro não se sente parte do poder público e não cobra mudança como poderia. Além disso, o desenvolvimento do Estado brasieiro que, hoje, concentra 40% da riqueza nacional, amplia a ganância de quem vê a máquina pública como meio de enriquecimento pessoal. Ao "afastamento" de Sorj, o historiador Francisco José Calazans Falcon acrescenta uma possível distorção da visão do brasileiro em relação aos impostos, o que tornaria o dinheiro público uma entidade abstrata. O historiador acredita que talvez a atual noção de imposto seja marcada pelo passado senhorial e patriarcal. - O imposto é uma contribuição, uma doação que a gente faz a uma entidade mítica chamada governo, como nos tempos da monarquia? Uma coisa é ver o imposto como a parte que a cidadania exige de cada um para o interesse coletivo e, ao mesmo tempo, dá o direito de quem paga de fiscalizar o que foi feito com o dinheiro. A outra visão é de pagar por ser forçado, compelido a dar sua contribuição à majestade -. Afinal, o cidadão não tem consciência que está sendo roubado? Não tem memória? É certo que somos cidadãos de período eleitoral, carentes de uma formação voltada e organizada à cobrança. Mas, para Sorj essa suposta amnésia é relativa, ressaltando casos de políticos acusados de corrupção que não são reeleitos.


- Falta memória ao brasileiro, sim, mas isso também tem um lado positivo. Faz do brasileiro um povo otimista, que pensa no futuro e não fica vivendo no passado. Nesse ponto parece que todos os estudiosos citados - e pesquisados - convergem, indicando necessidade de um esforço para mudar as instituições e também nós mesmos, cobrando um dos outros atitudes mais responsáveis e corretas, o país vai melhorar. Precisamos entender como ter menos obras inacabas no meio do caminho, analisar que instituições deveriam ter agido para evitar isso. É um processo múltiplo envolvendo sociedade civil, partidos fortes - e não a maioria de aberrações dos dias atuais - e veículos de comunicação mais críticos, corajosos e menos subjugados. Não existe a bala dourada que vai mudar tudo. A garota do Fantástico não está na sua cama. Reflita e pense muito bem: valeu a pena votar nessa gente? Se a conclusão for não, entenda eleição como um gesto democrático e não jogo de futebol, onde bom é quem vence - ou pior - está na frente das pesquisas do Ibope (e outros piores), até porque o atual presidente do Ibope já foi presidente de time de futebol. E como todo empreendimento trabalha para seus clientes, por sinal o maior é a Rede Globo, essa que se vende a quem assume o poder. Mas, cobra bem caro!


Nenhum comentário:

Postar um comentário